quinta-feira, 3 de março de 2011

O DIREITO DOS POVOS INDÍGENAS AO RECONHECIMENTO DE SUAS CULTURAS (CF/88 E CONVENÇÃO 169 DA OIT): ASPECTOS JURÍDICOS E ANTROPOLÓGICOS

XLII SEMANA JURÍDICA – UEL, Londrina/PR – 25 de novembro de 2003


Kimiye Tommasino



A RELAÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA COM OS POVOS INDÍGENAS NA CF DE 1988 E NA CONVENÇÃO 169 DA OIT: ESPECTOS ANTROPOLÓGICOS

Até 1988 a relação do Estado com as sociedades indígenas tinha como objetivo a integração dos indígenas à comunhão nacional, ou seja, transformar todos os indígenas segundo o modelo cultural ocidental. Nessa proposta os povos indígenas eram transitórios, seriam gradativamente incorporados social e culturalmente na sociedade nacional. Todas as políticas indigenistas – de educação, de saúde, de “desenvolvimento” comunitário eram “civilizatórias”, voltadas para fazer essa integração até que eles se dissolvessem e se tornassem indistinguíveis na sociedade nacional. Essa vontade política do Estado não ocorreu porque os povos indígenas foram capazes de resistir e se manter étnica e culturalmente específicos. Mesmo profundamente transformadas as culturas indígenas contemporâneas mantêm-se como diferentes em seus princípios lógicos estruturantes e de significação.  É o que as etnografias recentes têm mostrado. Pode-se dizer que durante toda a história da sociedade brasileira, os povos indígenas foram objeto de exclusão jurídica, até 1988.

A partir da CF de 88 houve uma profunda alteração na relação entre o Estado e as sociedades indígenas. É importante apontar que não foi um presente dado pelo Estado aos índios, mas foi o resultado de uma intensa negociação entre representantes dos povos indígenas, antropólogos e juristas na Constituinte. Portanto, foi uma conquista dos povos indígenas. A grande revolução foi a supressão do objetivo integracionista da velha Constituição. O artigo 231 do Cap. VIII “Dos Índios” da CF garante aos índios o direito de manterem-se eles mesmos: são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre terras que tradicionalmente ocupam, competindo à união demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

“O primeiro instrumento internacional especificamente destinado a reconhecer direitos mínimos aos povos indígenas foi o Convênio sobre a Proteção e a Integração das Populações Aborígenes e Outras Populações Tribais e Semitribais nos Países Independentes adotado em 1957 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Contendo 37 artigos, esse Convênio, conhecido como de n. 107, estabelece a proteção das instituições, das pessoas, dos bens e do trabalho dos povos indígenas e reconhece o direito à alfabetização em línguas indígenas. Estabelece, também, que os Estados signatários devem adotar medidas contra o preconceito do restante da população nacional, que possam afetar a imagem e os direitos dos povos indígenas”. (...) No final dos anos de 1980, esse Convênio foi revisto e deu origem a um outro, o Convênio n. 169, chamado Convênio sobre os Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, proclamado em 1989. O ponto fundamental desse Convênio é reconhecer que cabe aos povos indígenas decidir quais são as suas prioridades em matéria de desenvolvimento e que eles têm o direito de participar dos planos e programas governamentais que os afetam. Diferentemente do Convênio anterior, este reconhece que a diversidade étnico-cultural dos povos indígenas deve ser respeitada em todas as suas dimensões. No que concerne à educação, o Convênio prevê a participação dos povos indígenas na formulação e na execução de programas de educação, o direito de criar suas próprias instituições e meios de educação, de alfabetizar suas crianças em sua própria língua e na língua oficial do país em que vivem. No Brasil, esse Convênio ainda não foi ratificado e está em discussão no Congresso Nacional”(Grupioni, 2001: 95).

Há ainda dois outros documentos internacionais voltados exclusivamente à proteção dos direitos indígenas: 1- Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, elaborado pelo GT sobre Populações Indígenas da ONU, que ainda precisa ser aprovada pela Assembléia Geral da ONU e 2- projeto ainda em discussão Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas, da OEA. Ambos documentos defendem o direito dos povos indígenas de definir e aplicar seus próprios programas de educação na língua materna em planos e programas deles próprios.


CONCEITO ANTROPOLÓGICO DE CULTURA


Vamos iniciar falando dos principais aspectos do conceito antropológico de CULTURA:
  • ela é a instância propriamente humanizadora, que dá estabilidade às reações comportamentais e funciona como mecanismo adaptativo básico da espécie. A humanização do homem se faz de várias maneiras possíveis. Cada sociedade, de acordo com a cultura particular, vai selecionar as capacidades biológicas a serem desenvolvidas ou inibidas – o domínio da Cultura, como o viu Mauss, é o domínio da modalidade. A humanização do homem se faz sempre através de um modo de vida particular – o homem não se realiza através de uma humanidade abstrata” (Lévi-Strauss, 73 apud Velho & Castro, 1978).
  • é o conjunto complexo de códigos que asseguram a ação coletiva de um grupo ou sociedade.
  • refere-se a um conjunto de regras de interpretação da realidade que permitem a atribuição de sentido ao mundo natural e social e implica a idéia de sistema.
  • forma um sistema, no sentido de um todo coerente onde cada “costume”, regra, crença ou comportamento faz parte de um conjunto que dá sentido às partes.
  • tratar a cultura como sistema, portanto, é admitir a racionalidade intrínseca de qualquer cultura.
  • os códigos que vão constituir a cultura consistem essencialmente em aparelhos simbólicos.
  • a noção de cultura como sistema simbólico aponta para a natureza social do comportamento: estes símbolos são decodificados a partir de um código comum ao grupo.
  • Geertz complementa dizendo que o conceito de cultura é essencialmente semiótico, ou seja, consiste numa teia de significados e a antropologia não é uma ciência experimental à procura de leis, mas uma ciência interpretativa à procura de significados.

SOBRE A DIVERSIDADE CULTURAL NO BRASIL

O continente americano teve as primeiras ocupações humanas seguramente há 12 mil anos por centenas de povos que atravessaram o Estreito de Behring e se espalharam em direção ao sul. Outras ondas migratórias, ao que parece, chegaram pela Ilha de Páscoa e chegaram na costa do Pacífico.

A construção da sociedade brasileira teve início em 1500 através de representantes de sociedades européias que chegaram e conquistaram militarmente os povos que aqui viviam. Portanto, a sociedade brasileira se desenvolveu sob a inspiração do modelo ocidental, política, econômica, social, cultural, ideológica e juridicamente.

Em 1500 viviam neste território que se tornou Brasil, cerca de 900 povos pré-colombianos, com uma população estimada de 5 milhões de pessoas. Os conquistadores europeus, sob diversas formas, direta ou indiretamente, destruíram a maior parte da população pré-colombiana, apossaram-se das terras e aqui instituíram a sociedade brasileira inspirada, como dissemos, no modelo ocidental. O Brasil é um país surgido em 1822 e tem, portanto, menos de 200 anos.

Hoje existem pouco mais de 200 povos indígenas falantes de quase 180 línguas diferentes. São povos muito diferentes entre si, cada qual com sua organização política, econômica, cultural, ideológica e jurídica específicas e não-ocidentais. Têm em comum o fato de viverem na condição de dominadas pela sociedade brasileira e sua forma de Estado.

De um lado temos inúmeras sociedades indígenas com seus Direitos específicos, independentes uns dos outros, tradicionais, não escritos, e, de outro, temos a sociedade brasileira, com seu sistema jurídico de Estado, único, homogêneo, escrito, e que subordina os Direitos específicos das sociedades indígenas, outorgando unilateralmente direitos genéricos através de sua própria lógica jurídica e cultural aos indivíduos e às sociedades indígenas.

O direito brasileiro, portanto, dispõe sobre essas sociedades de forma autoritária, paternalista, homogeneizante e global, dentro de sua própria lógica e interesses, ressalvando e reconhecendo parcialmente direitos próprios e internos dessas sociedades.

Coloca-se assim, a questão do alcance, da eficácia e da legitimidade das normas jurídicas desses diferentes Direitos e do Direito de Estado, bem como da coexistência dessas diferentes ordens jurídicas no tempo e no espaço. Ora, os índios não participam politicamente do processo de elaboração das normas jurídicas do Direito estatal, portanto, o alcance e a eficácia das normas jurídicas brasileiras são impostas e, portanto sua eficácia e alcance são limitados ao espaço territorial de cada sociedade indígena e aos indivíduos que compõem a sociedade considerada e a outras eventuais pessoas ou grupos que ingressem nessa terra indígena.

A legitimidade das normas jurídicas do Direito estatal brasileiro, para as sociedades indígenas, está condicionada à sua capacidade de garantir o que estas sociedades entendem como seus direitos. Por outro lado, a legitimidade do Direito indígena ocorre dentro dos limites do espaço territorial indígena e só será questionada quando sua aplicação incidir sobre indivíduos de outras sociedades. Nesse sentido, haverá sempre conflitos entre Direitos distintos, porque se refere a interesses histórica e culturalmente opostos, mas principalmente por tratar-se da imposição da vontade política de um ordenamento jurídico de Estado, unitário e homogeneizante sobre sociedades heterogêneas e dominadas. As sociedades indígenas são simétricas e desconhecem classes sociais. Mesmo havendo grupos corporados (grupos de idade, clãs, linhagens), todos têm acesso aos meios de produção e seus resultados.

O que se pretende mostrar aqui é que os interesses da sociedade brasileira e do Direito estatal são prioritariamente antagônicos quando se busca a sua aplicação prática, ou seja, quando se propõe assumir o pluralismo cultural e jurídico de nossa sociedade. Há alguns pontos de convergência, mas sempre resultam mistos e complementares ou fica ao sabor das relações estabelecidas entre a sociedade brasileira e as sociedades indígenas.


SOBRE A DIVERSIDADE CULTURAL, ALGUNS ASPECTOS ANTROPOLÓGICOS E SUAS CONSEQÜÊNCIAS NA CF/88

Até recentemente a própria academia difundiu algumas idéias equivocadas sobre as populações indígenas, fruto do viés etnocêntrico. Uma das idéias era de que os povos indígenas, pelo menos da América do Sul não-andino e de muitos outros lugares no mundo, eram povos sem: sem lei, sem rei, sem fé, sem Estado, sem economia, enfim sem as formas institucionais que existem na sociedade ocidental. Somadas com a aplicação do evolucionismo darwinista para explicar o fenômeno social, sugeriu-se que a sociedade moderna era o resultado da evolução natural das sociedades tradicionais resultando na falácia de que as sociedades sem Estado seriam formas sociais de estágios inferiores, o estágio zero. Essa visão naturalizada e linear já foi descartada há muito tempo pela antropologia.

O mundo atual, de economia globalizada, vem mostrando a grande dificuldade em se encontrar formas de conciliar os interesses econômicos de empresas multinacionais com os interesses de milhares de minorias étnico-culturais que vivem e dependem das florestas e seus recursos naturais e sociais. As próprias minorias estão sendo destruídas física e culturalmente. Na verdade, são interesses contraditórios e o que se buscam, tanto as leis de Estado quando as leis internacionais, é um modelo conciliador, resultado do diálogo entre culturas e até mesmo forçando certos Estados mais agressivos a respeitarem os direitos das minorias. Daí a importância dos Convênios, Declarações e Acordos internacionais.

Para melhor entendimento da complexidade do problema de se equacionar formal e praticamente a igualdade entre os povos, é preciso levar em consideração que são os países organizados em Estado que legislam para as comunidades culturalmente diversas que vivem no seu território correspondente e isso gera alguns dramas e conflitos. Vejamos como o uso de alguns conceitos podem gerar conflitos.

a)       O conceito de indivíduo utilizado pelo Estado para definir quem é índio

Um dos pontos em que a CF avançou de modo significativo foi em relação à classificação e conceptualização do indígena como indivíduo no sentido ocidental. A CF de 88 ao reconhecer os direitos coletivos dos índios e suas respectivas organizações sociais, avançou e corrigiu antropologicamente, ao associar ao índio (pessoa) sua organização social. O índio não existe isoladamente, a sua definição só é possível no contexto de sua sociedade e de sua cultura, de forma que a pessoa indígena e sua sociedade são indissociáveis.

O conceito de indivíduo na cultura ocidental é muito diferente do conceito indígena de indivíduo: a visão ocidental da pessoa (do indivíduo segmentado de sua sociedade) é extremamente particular e histórico; a noção de pessoa sendo uma construção cultural, é tão variada quanto as culturas existentes. No caso das sociedades indígenas, a noção de pessoa como indivíduo reforça a coletividade. Os rituais de passagem são importantes para entendermos o processo de construção da pessoa nas sociedades indígenas sul-americanas. Seeger e outros (1987) sugerem que as noções ligadas à corporalidade e à construção da pessoa são algo básico. Na maioria das sociedades indígenas no Brasil, segundo esses autores, essa matriz (corporal) ocupa posição organizadora central: a fabricação, decoração, transformação e destruição dos corpos são temas em torno dos quais giram as mitologias, a vida cerimonial e a organização social. Uma fisiológica dos fluídos corporais – sangue, sêmen – e dos processos de comunicação do corpo com o mundo (alimentação, sexualidade, fala e demais sentidos) parece subjazer às variações consideráveis que existem entre as sociedades sul-americanas sob outros aspectos.

b)      Cosmologias indígenas: a visão holística

A primeira diferença entre uma cultura indígena e a ocidental pode ser mostrada na visão de mundo. Nas indígenas, o mundo é holístico, não fragmentado como na cultura ocidental. Nessa construção simbólica, os mundos humano, natural e sobrenatural estão integrados e inter-influenciam-se reciprocamente. Isto quer dizer que os direitos indígenas são cosmogônicos assim como são todas as práticas sociais.

Da mesma maneira, a vida social não se fragmenta em econômico, político, religioso, etc. Todas essas dimensões são vividas simultaneamente: Ex. quando um caçador kaingang sai para caçar leva consigo toda a estrutura social, segue as regras de sociabilidade entre metades, segue todos os tabus instituídos pela sua cultura, há rituais que deve fazer para que possa ter sucesso na empreitada e assim por diante. A floresta não é um espaço neutro, mas habitado por seres naturais e sobrenaturais. Assim como o cosmos é organizado em metades kamé e kairu, a natureza também é classificada em kamé e kairu e a floresta é habitada por espíritos guardiões que punem as pessoas que depredam o meio ambiente. A caça é dividida entre os parentes de acordo com regras sociais estabelecidas. Nesse sentido, o caçador enquanto “trabalhador” não é alienado de sua produção como na sociedade ocidental. Ao contrário, realiza-se como sujeito de sua produção: como pai, filho ou genro.

O objetivo da produção nas sociedades indígenas é o próprio homem, não o lucro como na nossa sociedade. Todo o excedente de produção é consumido em rituais/festas que permeiam o ciclo de vida. Quer dizer, os excedentes são produzidos para serem queimados nas festas. É nesse sentido que não podemos compreender a “economia” indígena separada das outras esferas sociais como o parentesco, a política e a religião. Elas formam uma totalidade e são inseparáveis.

c)       Organização política e chefia nas sociedades indígenas

As sociedades indígenas na América do Sul não-andina organizam-se politicamente de forma distinta da que conhecemos na sociedade ocidental, dotada de Estado. Hoje não se admite mais a concepção de que as sociedades sem Estado sejam sociedades estacionadas no grau zero do político. Os estudos antropológicos, principalmente os de Pierre Clastres mostraram a universalidade do político e mais que isso, revelou a razão política da chefia indígena: “Essa política selvagem revelou ter sua consistência própria, lógica especifica e um conjunto de dispositivos tendo por função impedir o aparecimento de um poder separado da sociedade, bloqueando o surgimento de uma divisão entre poder e sociedade (Barbosa: 2001: 28). Trata-se de uma estrutura e organização políticas cuja lógica reproduz sempre a sociedade contra o Estado, contra a emergência de um Estado separado do todo social. Essa lógica se aplica a outras esferas e podemos pensar o mesmo sobre a economia: as sociedades indígenas são sociedades contra a economia, no sentido que conhecemos, separado do parentesco e da religião, por exemplo. A chefia se mantém no “poder” através da generosidade. Por isso mesmo, os chefes indígenas aparecem nos relatos dos viajantes como os mais despojados de bens materiais. (Ver exemplo relatado por Borba em fins do século XIX sobre o chefe kaingang/rekakê escrita em 1882 e publicada em 1908)

Na sociedade guarani tradicionalmente não havia um chefe propriamente político mas estava embutido na chefia religiosa do Nhanderú. Hoje temos o Nhanderú como uma autoridade interna e o cacique que é uma autoridade laica voltada para fora, o que negocia com o mundo dos brancos/juruá. Essa é uma inovação imposta pela situação de contato.

d)      A economia nas sociedades indígenas

Nas sociedades indígenas a economia, enquanto esfera separada das outras como na cultura ocidental, não existe. Ela está incrustada nas esferas política e religiosa e da mesma maneira, o político e o religioso contêm o econômico. O exemplo do caçador kaingang é uma ilustração. Para mostrar que há profundas diferenças entre as culturas indígenas vou acrescentar um exemplo guarani, quando se faz uma roça de milho. Todo o processo de produção do milho é permeado por cerimônias religiosas chamadas mongaraý, no total são 8, sendo que o processo é aberto com um mongaraý e é fechado com o último mongaraý. Isto quer dizer que “econômico”, “religioso”, “político” são classificações ocidentais, são categorias do pensamento ocidental.

Outra questão é que na sociedade capitalista o conceito de economia está imbuído do conceito de economizar e nas sociedades indígenas, não-capitalistas, não existe nenhum conceito nativo equivalente a economizar. Quer dizer, eles têm economia, mas não economizam. Ao contrário, eles queimam o excedente em festas, em rituais. E isto por uma razão simples: o objetivo da produção é o próprio homem e não o lucro, como na sociedade capitalista. A questão então é quanto aos projetos desenvolvimentistas que o Estado tem implantado nas terras indígenas, sem uma prévia discussão sobre as especificidades culturais de cada comunidade indígena. 

e)       Sistemas jurídicos indígenas

Como dissemos, os direitos indígenas são cosmogônicos porque as práticas sociais mantêm uma vinculação com os mitos de criação do mundo aliados com as tradições e saberes, segundo os modos próprios de construção do pensamento e organização social de cada sociedade.

Cada sociedade indígena possui formas simbólicas institucionalizadas em usos, práticas e convenções indispensáveis para as relações sociais e que formam o corpo normativo consuetudinário de uma determinada sociedade.
Nesse sentido, Dantas propõe que “reconhecer as organizações sociais dos povos indígenas, significa a legitimação jurídica dos sistemas simbólicos de representação de cada povo, bem assim do pluralismo cultural e jurídico e da diversidade intrínseca às sociedades indígenas” (Dantas, 2003: 93).

f)        Concepção de território indígena

A dimensão comunitária dos povos indígenas nas sociedades indígenas engloba o pensamento individualista ocidental e permeia o pensamento e a vida em todas as esferas, incluindo os discursos sobre seu território. 

Concepção de terra para os Guarani segundo os estudos antropológicos: O Tekohá constitui a Terra Tradicional Guarani. A terra guarani deve preencher requisitos básicos, materiais, sociais e simbólicos. Deve possuir características ecológicas bem constantes, que sejam aptas ao cultivo do milho (avati), mandioca (mandi’o), batata (jety), feijão (kumanda) e abóbora (andai). Deve ter uma estrutura tríplice em termos de espaço físico: um monte preservado onde possam caçar, pescar e coletar; faixas de terra fértil para fazer roças e cultivos; e, finalmente, um lugar onde possam construir suas habitações (óy, óga) em torno das quais plantam bananeiras, pés de tártago, algodão e urucu. Costumam estabelecer seus ranchos no meio da mata, evitando a paisagem aberta dos campos. As aldeias não formam um conglomerado compacto de habitações, consistem em casas isoladas, mais ou menos distantes umas das outras, espalhando-se pelas clareiras abertas na floresta.

A terra guarani não se restringe à natureza, nem se define pelo seu valor exclusivamente produtivo. É onde podem realizar “seu modo de ser”, seu Tekó. “O Tekohá, com toda sua materialidade terrena é, sobretudo, uma inter-relação de espaços culturais: econômicos, sociais, religiosos e políticos”. A organização social de um Tekohá na atualidade é chefiada por uma autoridade laica (cacique) e outra religiosa (Nhanderú), o primeiro voltado “para fora” e o segundo “para dentro”. Isso explica porque os caciques atuais são mais jovens que os Nhanderú, aquele mais ligado ao mundo da modernidade (relações com a sociedade nacional) e da materialidade, este comprometido com as tradições e o mundo da espiritualidade. 

g)      Concepções indígenas de saúde/corpo/doença/cura.

As concepções sobre saúde, corpo, doença e cura variam de sociedade para sociedade. Os programas de saúde indígena devem respeitar as especificidades socioculturais e criar modelos de saúde interculturais. Para que a interculturalidade aconteça é necessário, antes de mais nada, conhecer e reconhecer os sistemas indígenas de saúde, seus conhecimentos e seus especialistas. Como já enfatizado, as práticas indígenas são cosmogônicas e por isso seus conceitos de saúde, corpo, doença e cura são muito diferentes dos conceitos da medicina ocidental.

No Parque Nacional do Xingu os médicos e outros agentes de saúde não-índios que atendem as comunidades indígenas do Parque conseguiram criar um modelo de atendimento que inclui a participação dos xamãs curadores. Fora dessa experiência, mesmo com a CF/88 que garante o respeito aos sistemas indígenas de saúde, não encontramos mudanças no tipo de assistência à saúde, ainda baseada na biomedicina ocidental. O modelo biomédico de saúde, como sabemos, parte do pressuposto de que doença é uma disfunção de uma das partes do corpo físico. O corpo humano é dividido em partes e há especialistas para as doenças de cada parte desse corpo físico.

Ora, nas sociedades indígenas a concepção de corpo e de doença são muito diferentes entre si e mais ainda com relação à cultura ocidental. A concepção de saúde, doença e cura para os índios é muito mais ampla e complexa e está relacionada com sua cosmologia. Vejamos o que é um xamã sanumá/grupo yanomami conforme Alcida Ramos.
Parte das atribuições de um xamã é realizar curas. A ele cabe fazer o diagnóstico e tomar providências para eliminar o mal depois de identificada a sua causa. Para isso ele recorre ao auxílio de espíritos e substâncias curativas específicos às várias doenças, ou ao processo de sucção do objeto que está causando a doença do paciente. Em geral, nas sociedades indígenas a teoria das doenças está diretamente ligada à concepção do mundo em seus aspectos naturais, sociais e sobrenaturais. Por exemplo, entre os Sanumá existe um grande conjunto de doenças que decorrem da quebra de tabus alimentares. Elas são o resultado da retaliação dos espíritos dos animais cuja carne, embora proibida, foi ingerida pelas pessoas sujeitas à proibição. A cura dessas doenças se dá através do xamanismo com o auxílio de espíritos de animais, muitas vezes os inimigos naturais da espécie vingadora. A teoria das doenças, das curas e dos agentes sobrenaturais utilizados no xamanismo Sanumá forma um complexo sistema físico-social-matafísico que demonstra quão vinculadas estão as ações humanas à visão cosmológica desses índios”(Ramos, 82-83). Os xamãs Sanumá usam alucinógenos para entrar em contato com os espíritos e fazerem o diagnóstico e o tratamento dos pacientes.

Apesar de os médicos saberem que os índios conhecem muitas plantas curativas para inúmeras doenças, estes continuam considerando os xamãs indígenas como charlatães ou na melhor das hipóteses com preconceito e descrédito.

h)      A educação escolar indígena

Deveria ser intercultural e bilingüe, mas na maior parte do Brasil as pessoas responsáveis pela gestão das escolas indígenas ainda não conseguiu construir a educação proposta no Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. Tenho vários artigos publicados onde faço o diagnóstico da educação escolar indígena no Paraná e, apesar de ser bilingüe, ainda está muito longe do que propõe o Referencial produzido pelo MEC.

Considerações Finais

Para viabilizar o respeito ao que diz a CF é necessário algumas condições básicas, mas básicas no sentido radical. Para implementar as normas constitucionais o Estado deve adotar uma definição de cultura antropologicamente correto, em 3 aspectos: i) um conceito dinâmico de cultura; ii) vinculando o novo sujeito indígena aos pressupostos de cada cultura; e iii) inseparável de seu espaço territorial. (Dantas, 2003:101-102)

É necessário produzir um pensamento universalista que sustente um universalismo de confluência em substituição ao universalismo dominante do pensamento ocidental. Significa imprimir uma nova racionalidade não só no plano formal como também no plano das relações concretas através de “sujeitos dialogantes”. Portanto, essa nova sociedade ainda está por ser criada, a cada dia, a cada relação, só então teremos uma sociedade intercultural, enriquecida com a troca cultural entre as múltiplas culturas aqui existentes, sem que uma se sobreponha às outras.

O problema é: como uma sociedade, a nossa, que se estriba num paradigma contraditório ao das sociedades indígenas, poderá conciliar interesses – sociais, políticos, econômicos tão opostos e antagônicos? Segundo Morin, paradigmas são arranjos virtuais estruturais profundamente imersos no inconsciente individual e coletivo das sociedades de modo que os indivíduos conhecem, pensam e agem conforme os paradigmas neles inscritos culturalmente. Morin ainda pressupõe que todas as sociedades norteiam-se por um paradigma nuclear que sustenta e controla não apenas as teorias e os raciocínios, mas também o campo cognitivo, intelectual e cultural em que nascem as teorias e os raciocínios; controla, além disso, a epistemologia, que controla a teoria e a prática decorrente da teoria (Morin, 1998: 267-268).  A questão é “como romper com um paradigma que alimenta as construções nele geradas e que é realimentado por essas mesmas construções”? Quer dizer, o paradigma se dinamiza por um princípio estruturante que produz os sujeitos sociais que por sua vez cria e recria a cultura. Há uma importante discussão na França e em outros pontos do mundo sobre a falência do paradigma ocidental que atomiza a realidade como método de estudo com propostas para a mudança desse paradigma.

Falarei agora de um outro problema, de ordem mediata, menos evidente e de difícil solução. É sobre a idéia desenvolvimentista embutida no paradigma dominante no pensamento moderno. Tendo em vista que cada vez mais necessitamos da ciência e da tecnologia para movimentar a sociedade, é necessário fazer uma crítica interna ao modelo de sociedade e ao conceito de desenvolvimento e questionar seus fundamentos - ideológico, político, cultural, moral, ético. Para isso estarei me apoiando nas obras de Edgar Morin que junto com outros pensadores atuais vêm fazendo a crítica ao paradigma cartesiano. Edgar Morin diz que “O desenvolvimento é a palavra chave, tornada onusiana, em torno da qual se debateram todas as vulgatas ideológicas da segunda metade de nosso século. No fundamento da idéia dominante de desenvolvimento está o grande paradigma ocidental do progresso. Essa concepção técno-econômica ignora os problemas humanos da identidade, da comunidade, da solidariedade, da cultura” (Morin & Kern, 1995: 82-83).
Dessa maneira, Morin considera que: “A idéia desenvolvimentista foi e é cega às raízes culturais das sociedades arcaicas ou tradicionais que só foram vistas através das lentes economistas e quantitativas. Ela reconheceu nessas culturas apenas idéias falsas, ignorância, superstições, sem imaginar que continham instituições profundas, saberes milenarmente acumulados, sabedorias de vida e valores éticos atrofiados entre nós (idem: 84). E o conhecimento especializado tal como se observa hoje “se insere num setor conceitual abstrato que é o da disciplina compartimentada, cujas fronteiras rompem arbitrariamente com a sistematicidade (a relação de uma parte com o todo) e a multidimensionalidade dos fenômenos” (p. 159).
A verdadeira racionalidade, diz Morin, “está aberta e dialoga com o real que lhe resiste. Ela opera uma ligação incessante entre a lógica e o empírico [entre o teórico e o prático]; ela é o fruto de um debate argumentado de idéias, e não a propriedade de um sistema de idéias. A razão que ignora os seres, a subjetividade, a afetividade, a vida, é irracional” (idem: 167-170).

Portanto, há algo mais profundo que deve ser repensado e que se constituem como fundamentos da própria sociedade moderna e sua forma de pensamento e que está no seu paradigma. Esse paradigma já está há muito superado mas no mundo capitalista globalizado, ainda está em pleno uso. Desde 1994, há um grupo de intelectuais, pensadores de várias áreas do conhecimento (filósofos, médicos, físicos, biólogos, etc.) na França, que estão propondo a reforma do atual modelo de ensino nas escolas de segundo grau e do ensino superior (para formação dos professores do segundo grau) por um outro que possibilite a reforma do pensamento e, por conseqüência, a reforma da própria sociedade. Edgard Morin tem sido o coordenador desse conselho científico. Algumas obras desse grupo já foram lançados em português: A cabeça bem feita; A religação dos saberes; Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios; Edgar Morin: ética, cultura e educação. Diz ele que “..., a reforma de pensamento requer uma reforma do ensino (primário, secundário, universitário) que por sua vez requer uma reforma de pensamento. Obviamente, a democratização do direito a pensar requer uma revolução paradigmática que permitiria a um pensamento complexo reorganizar o saber e ligar os conhecimentos hoje compartimentados nas disciplinas. Uma vez mais constatamos a inseparabilidade dos problemas, seu caráter circular ou em anel, cada um dependente dos outros, o que torna a reforma de pensamento tanto mais difícil e, ao mesmo tempo, tanto mais necessária, já que somente um pensamento complexo poderia considerar e tratar essa circularidade interdependente” (idem: 167-170).  

Da mesma maneira, Morin considera que também os fundamentos da política totalitária e totalizante, devem ser repensados, o que implica, em sua opinião, grande dificuldade. “A política multidimensional deveria responder a problemas específicos muito diversos, mas não de forma compartimentada e fragmentada. Ela tem necessidade de tecnicidade, de cientificidade, mas não deve se submeter ao sistema da especialização que destrói o global, o fundamental, a responsabilidade. Ao contrário, deve permanentemente suscitar a visão do global - o planetário -, a concepção do fundamental - o sentido da vida, as finalidades humanas -, o sentimento responsável - que só pode vir a partir da consciência de assumir problemas fundamentais e globais” (p. 145).

Para finalizar é importante esclarecer que, quando falamos em garantir o direito às diferenças, não se trata de perpetuar tradições passadas. Como afirma Barbosa subscrevendo Lévi-Strauss, “O que é preciso preservar é o fato mesmo da diversidade, dando atenção e prestigiando as inovações e as potencialidades, muitas vezes escondidas, encorajando o despertar de todas as vocações a viver em comum aquilo que a história tem em reserva. Não se trata de sermos indulgentes com expressões culturais passadas ou mesmo presentes. É preciso respeitá-las dentro de uma perspectiva de futuro, isto é: as sociedades humanas devem ser respeitadas, prestigiadas e incentivadas para o que elas queiram ser. A diversidade cultural é um fenômeno presente e dinâmico, que deve ser vivido de maneira a que cada cultura seja uma contribuiçãopara a maior generosidade das outras” (Barbosa, 2001: 25).

Uma última questão a ser colocada aos acadêmicos é a necessidade de, tanto as escolas de primeiro e segundo graus quanto as universidades incluírem a discussão sobre a diversidade cultural e o direito dos povos e minorias sociais como temas obrigatórios em suas disciplinas. Estamos assistindo, no Brasil e no mundo, movimentos sociais de minorias étnicas e sociais (grupos gays, mulheres, negros, indígenas, etc.) e os profissionais das várias áreas (medicina, direito, agronomia, biologia, etc.) sequer sabem que existem populações indígenas nas regiões em que trabalham e mesmo quando passam a trabalhar com essas populações nas aldeias continuam impondo autoritariamente programas que não respeitam as culturas dos grupos minoritários. Acredito que muitos alunos que estão aqui jamais tenham ouvido falar sobre a diversidade cultural que existe aqui mesmo em Londrina. Agradeço aos alunos terem me concedido esta oportunidade para expor sobre o direito dos povos indígenas.

REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS

GRUPIONI, L.D.B.; VIDAL, L. e FISCHAMANN (orgs.). Povos Indígenas e Tolerância: construindo práticas de respeito e solidariedade. São Paulo, EDUSP, 2001.
BARBOSA, Marco Antonio. Direito antropológico e terras indígenas no Brasil. São Paulo, Ed. Plêiade/FAPESP. 2001.
CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1978.
DANTAS, Fernando A. de C. O direito diferenciado: pessoas, sociedades e direitos indígenas no Brasil. Curitiba, UFPR. Tese de doutoramento. 2003.
SEEGER, A., DA MATTA, R. & CASTRO, E.V. de. A construção da pessoa nas sociedades indígenas brasileiras. In: Sociedades Indígenas e Indogenismo no Brasil. Rio de Janeiro, Marco Zero/UFRJ. 1987.
RAMOS, Alcida Rita. Sociedades Indígenas. São Paulo, Ática. 1985.
MORIN, E. & KERN, A. B. Terra Pátria. Porto Alegre: Sulina, 1995.
MORIN, E. O Método 4. As idéias. Porto Alegre: Sulina, 1998. 


SUGESTÕES DE BIBLIOGRAFIA PARA OS ALUNOS

GRUPIONI, L.D.B.; VIDAL, L. e FISCHAMANN (orgs.). Povos Indígenas e Tolerância: construindo práticas de respeito e solidariedade. São Paulo, EDUSP, 2001.
BARBOSA, Marco Antonio. Direito antropológico e terras indígenas no Brasil. São Paulo, Ed. Plêiade/FAPESP. 2001.
SOUZA FO, Carlos F. Marés. O renascer dos povos indígenas para o Direito. Curitiba, Ed. Juruá, 1998.
MORIN, E. A cabeça bem-feita. Repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil. 2001.
_____________ . A religação dos saberes. O desafio do século XXI. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2001.
ALMEIDA, Maria da Conceição e CARVALHO, Edgard de A. (orgs.). Edgar Morin: Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. São Paulo, Ed. Cortez, 2002.
PENA-VEGA, A., ALMEIDA, C.R.S. e PETRAGLIA, I. Edgar Morin: ética, cultura e educação. São Paulo, Ed. Cortez, 2003.
DANTAS, Fernando A. de C. O direito diferenciado: pessoas, sociedades e direitos indígenas no Brasil. Curitiba, UFPR. Tese de doutoramento. 2003.
MAGALHÃES, Edvard Dias (org.). Legislação Indígena Brasileira e Normas Correlatas. Brasília, DF. FUNAI, 2003.
CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1978.
_________ . Arqueologia da violência. São Paulo, Brasiliense, 1982.
CICLO INTERDISCIPLINAR DE PALESTRAS “ASPECTOS DA MÚSICA NO SÉCULO XX”

NÚCLEO DE MÚSICA CONTEMPORÂNEA - NMC/ARTE/UEL
A IMPORTÂNCIA DA MÚSICA NO RITUAL KAINGANG

Kimiye Tommasino
08 de dezembro de 2.000

Introdução

Antes de falarmos da importância da música no ritual do Kikikoi, o ritual dos mortos que os Kaingang realizavam todos os anos e hoje é realizado apenas na Área Indígena Xapecozinho em Santa Catarina, é necessário falar sobre o lugar e a importância da música para as sociedades indígenas da América do Sul. Como há mais de 200 povos indígenas só no Brasil, isto significa que há aspectos gerais e outros mais específicos da musicologia indígena. Dentro de nossa exposição, seguiremos uma explanação que partirá dos aspectos mais gerais para os específicos porque o público em geral desconhece tanto a diversidade sociocultural indígena no Brasil quanto a realidade musical desses povos.

É preciso então dizer que no Brasil vivem mais de 200 povos indígenas que falam quase 180 línguas distintas. A população geral é estimada em pouco mais de 300 mil índios contando apenas as populações que vivem em áreas reservadas e administradas pelo Estado. Se levarmos em conta os que vivem “desaldeados”, dispersos em áreas rurais e urbanas, esse número certamente será bem maior mas é quase impossível fazer esse levantamento.

De qualquer forma podemos afirmar que esse imenso universo multicultural é praticamente desconhecido pelo grande público e antes mesmo de ser conhecido está sendo destruído e/ou modificado pela expansão da dominação cultural do Ocidente. Há sem dúvida um processo de homogeneização cultural e os índios não estão imunes a esse processo. Todos sabem que há 500 anos os índios são assediados pela cultura ocidental: agentes de toda espécie têm divulgado idéias (falsas naturalmente) sobre a superioridade da cultura européia e cristã e a inferioridade ou atraso das culturas indígenas. Além disso, a expansão da sociedade nacional ao destruir o meio ambiente e sua biodiversidade, destruiu também as bases materiais que sustentam ou sustentavam a sociodiversidade. Afinal, sabemos que a natureza não é somente boa para comer, mas é, principalmente, boa para pensar.

O primeiro ponto de diferença radical entre a cultura ocidental e as culturas indígenas é que no pensamento ocidental, Homem e Natureza estão separados, isto é, concebe-se o homem fora da natureza enquanto as sociedades indígenas em geral se pensam como parte dela. Portanto são diferentes cosmologias indígenas já que cada cultura foi construída de forma distinta mas que têm em comum esse paradigma: o Homem é inseparável da Natureza e é uma expressão dela assim como a Natureza está no Homem. É por isso que no pensamento indígena há uma antropomorfização da Natureza e uma naturalização do Homem. Mais do que isso, nas concepções dos povos indígenas não há separação entre os universos natural, social e sobrenatural: são esferas que se interpenetram e influenciam-se continuamente. Portanto, muito diferente da concepção ocidental onde cada esfera é vista e vivida como esferas estanques. Uma vez compreendida essa distinção básica entre a cultura ocidental, a nossa, e a dos povos indígenas, podemos falar do lugar e da importância das manifestações culturais de cada povo. Hoje falaremos da importância da música e da dança no ritual Kaingang. Isto porque música e dança compõem uma unidade indissolúvel, como vocês verão no decorrer dessa exposição.

A Importância da Música nas Sociedades Indígenas

Apesar da música ocupar um lugar absolutamente central na cosmologia e estrutura social dos povos indígenas, ela tem sido pouco estudada e são raros estudos sistemáticos realizados pela antropologia e especialistas em etnomusicologia. Existem muitos trabalhos na área de expressões estética e simbólica mas que enfatizam a ornamentação corporal, plumária, pintura do corpo e grafismo. Sobre a música indígena, no entanto, Lux Vidal que é especialista em etno-estética nos diz que

Apesar de uma rica documentação gravada e artigos  dispersos ou mesmo discos editados, existem apenas dois trabalhos aprofundados, o de Anthony Seeger sobre os índios Suyá (grupo Jê) e o de Rafael de Menezes Bastos, sobre os Kamayurá (Grupo Tupi), os dois pertencentes à área do Alto Xingu. Isto se deve em parte à dificuldade de encontrar pesquisadores formados tanto em música como em antropologia, filosofia, semiótica, etc. Deve-se também às inúmeras especificidades encontradas, o que exige uma alta especialização para cada caso, escolha difícil para os pesquisadores do terceiro mundo, pelo investimento necessário”(Vidal, 91:184).

Para a antropóloga Lux Vidal, “no Brasil, o interesse sempre se voltou para a música popular e a música afro-brasileira. (...) De um modo geral, no imaginário e de maneira difusa, o índio é concebido no seu aspecto visual, ornamental, relacionado com o mundo da natureza externa, com o colorido dos pássaros e com a majestade estética da floresta”(Idem: 185).

A música indígena ganhou mais interesse do grande público a partir da luta pela preservação ecológica dos “Povos da Floresta” quando a dupla Raoni e Sting se uniram em defesa da floresta amazônica. Vários cantores nacionais passaram a homenagear a música indígena tais como Milton Nascimento, Tom Jobim, Caetano, Gilberto Gil e, em especial Marlui Miranda.

Do lado das sociedades indígenas vários grupos acabaram editando suas músicas como os Kayapó, os Guarani, os Xavante. Mas tudo isso é muito recente. Além do interesse em divulgar suas músicas, há o interesse dos índios em conhecer as manifestações musicais dos outros grupos e muitas vezes incorporando músicas dessas outras etnias no seu próprio repertório (Vidal, 91:186/88.)

Dito isso podemos falar mais especificamente sobre os estudos da música indígena. Se são tantas as culturas, é preciso entender o papel da música no contexto específico de cada sociedade. Seeger explica que “formas de arte vocal, diferentes entre si, não podem ser tratadas isoladamente, sem relação com as demais. Em vez de estudarmos formas do falar e cantar em si mesmas, deveríamos estudá-las como gêneros inter-relacionados ... e (afirmarmos) a necessidade de tratar a música como parte de um corpo maior de formas estéticas que podem estar inter-relacionadas sistematicamente de modos vários”. Dessa forma, o falar, o cantar, o choro ritual, a oratória, são gêneros inter-relacionados e mesmo os gestos e a dança devem ser incorporados no estudo das formas expressivas (Vidal: 191).

Existem poucos estudos sistemáticos sobre a música indígena. Na década de 60 Desidério Aytai pesquisou a música dos Xavantes do Mato Grosso. Trata-se de uma análise musicológica da estrutura da música latu sensu, e um estudo dos instrumentos musicais enquanto cultura material. Nos anos 70 Helza Cameu elaborou um balanço da etnomusicologia no Brasil e analisou gravações de vários grupos indígenas.

Com os estudos realizados nos anos 70 por Anthony Seeger entre os Suyá e por Rafael de Menezes Bastos inicia-se uma nova fase (ou de fato começa-se a fazer uma verdadeira etnomusicologia?). Segundo Vidal (idem: 193), “a música indígena começa a ser estudada em seu contexto e é reiterada a importância da relação música-cultura no contexto da performance. Os trabalhos destes autores, servem também para criar um paradigma da etnomusicologia indígena brasileira.” Embora não seja estudo de grupo indígena, é importante registrar a pesquisa de Kilza Setti sobre a produção musical dos caiçaras do litoral norte de São Paulo.

Não há ainda no Brasil estudos sobre etnomúsica no contexto de mudança cultural e de contato. Por exemplo, nos rituais guarani e mesmo kaingang nota-se claramente a introdução de elementos incorporados do mundo ocidental (cruzes, velas, instrumentos musicais como violão e rabeca), mas que foram ressignicados no contexto indígena. Também não foram estudadas as influências da música indígena na música popular brasileira.

Sendo recente e restrita a contribuição da antropologia em relação aos estudos sobre música indígena, podemos trazer aqui algumas informações mais teóricas que se encontra no livro de Rafael sobre a musicológica Kamayurá. Segundo este autor, devemos a Lévi-Strauss a maior contribuição teórica para o estudo da música e sua relação com a cultura do grupo que a pratica. No caso, ele se refere às obras de Lévi-Strauss relativas à etnomitologia, conhecidas como Mitológicas. Evidentemente, não sendo eu especialista em etnomusicologia e muito menos em música, não poderei estar contribuindo para este aprofundamento nesta fala sobre os Kaingang. Farei, quando muito, uma pequena aproximação entre mitologia e música no ritual do kikikoi. A complementação de Jorgisnei que já fez sua estréia na etnomusicologia kaingang mostrará o que foi possível avançar até o presente momento para esta aproximação.
 

Falando da importância da música kaingang no contexto do ritual kikikoi


Francisco Schaden que pesquisou bastante os Xokleng e os Kaingang dos anos 1940 até 60, diz que as artes indígenas e a música em especial estão intimamente ligadas à vida religiosa da sociedade. Segundo suas palavras,

é difícil apontar um instrumento musical que não desempenhe papel de relevo nas cerimônias de culto. Em sua maioria, os sons produzidos pelos chocalhos ou maracás, pelos tambores, bastões de ritmo, buzinas, flautas, zunidores e outros instrumentos que acompanham as danças rituais dão a impressão de reproduzirem, antes de mais nada, determinados ruídos da natureza ou vozes de animais. Ora se parecem com o estrondo soturno dos trovões, ora com o bramido das cachoeiras ou com o sussurrar  do vento e das chuvas. Outras vezes se diria que imitam os gritos ou o gorgeio de certas aves. Mas na realidade, qualquer que seja sua origem, a música indígena tem uma significação muito mais profunda, decorrente de seu caráter sagrado e da função primordial de fornecer um liame entre a comunidade dos viventes e o reino dos mortos, dos heróis ou dos deuses.


Com efeito, diz Schaden, na maioria dos casos o som dos instrumentos musicais de nossos índios simboliza ou “é” a voz dos espíritos, dos antepassados míticos ou das almas dos defuntos. O Nhanderu (rezador) Guarani recorre aos sons rítmicos de seu maracá para se pôr em comunicação direta com a divindade suprema de sua religião. Os Tupí do litoral no século XVI interpretavam os ruídos do chocalho como a voz de algum espírito e o zunidor dos Bororo é um instrumento sagrado e parece reproduzir a voz dos ancestrais míticos. O mesmo se pode dizer dos sons das grandes flautas “kadukê” dos Munduruku. As trombetas ou buzinas de “jurupari” dos índios das Guianas reproduzem, da mesma forma, a voz dos espíritos. Assim, poderíamos multiplicar exemplos de outros povos indígenas.

O caráter sagrado da dança é, em geral, segundo Schaden, ainda mais manifesto do que na música. Constitui a parte essencial das festas religiosas e de outras cerimônias de interesse coletivo. Tanto é verdade que, em muitas sociedades indígenas, a execução de danças é uma atividade mais indispensável à vida comunitária do que, por exemplo, a caça, a pesca e o plantio da mandioca. Quer dizer, a preocupação com respeito aos espíritos e às forças sobrenaturais que povoam o universo, sobrepõem as preocupações com o que se há de comer no dia de amanhã.

Sobre o Kikikoi, o ritual dos mortos realizados pelos Kaingang, Schaden, lembra que Telêmaco Borba, um dos primeiros diretores de aldeamento da região do Tibagi, mesmo sem ter formação antropológica ou musical, registrou muitas informações etnográficas sobre esse povo. Coletou inclusive o mito através do qual explicam como aprenderam as danças que ocupam um lugar importante no ritual dos mortos. Vou reproduzir parte de seu registro:

Não sabiam cantar nem dançar. Em suas reuniões bebiam o quiquy, sentados junto ao fogo; sua boca, porém estava fechada; por esse motivo suas festas eram monótonas, e, salvo a alegria produzida pela embriaguez, tristes. Desejavam aprender a cantar e dançar, mas não havia quem os ensinasse; as outras gentes ainda não existiam. Um dia em que homens de Cayurucré andavam caçando, encontraram em uma clareira do mato um grande tronco de árvore caído; sobre ele estavam encostadas umas pequenas varas com folhas; a terra junto ao tronco muito limpa; examinando-a pareceu-lhes ver uma como pequenas pegadas de crianças; admiraram-se disso; à noite, em seus ranchos, contaram o que tinham visto e convidaram os outros a irem examinar o que seria. Ao outro dia foram todos, aproximaram-se cautelosamente do tronco e escutaram; daí a pouco viram um pequeno purungo, na ponta de uma varinha, que se movia produzindo um som assim: xi, xi, xi; as varas que estavam encostadas ao tronco, começaram a mover-se compassadamente, ao mesmo tempo que uma voz debil, porém clara, cantava assim: - emi no tin vè...è, è, è. Andò chò caé voá á. Ha, ha, ha. Emi no tin rè è. Emi no tin vè .....
Compreederam que aquilo era canto e dança, decoraram as palavras sem contudo as entender; aproximaram-se do tronco e só viram as varas e os pequenos purungos (Borba, 1908:24/25).

Após esse primeiro encontro ainda aprenderam outras músicas e danças. Os kaingang então fizeram festas onde reproduziram o que aprenderam e ainda inventaram outros cantos e danças. Mais tarde é que, estando o Kayurucré caçando na mata, encontrou um tamanduá-mirim e quando o caçador ia abatê-lo com um bastão, o animal ficou em pé e começou a cantar e dançar os mesmos cantos que eles tinham ouvido na clareira. Descobriram então quem tinha sido seu mestre. Os Kaingang nunca mais mataram os tamanduá.

Rafael de Menezes Bastos afirma que “o conceito de humanidade e, complementarmente, o de não-humanidade, juntos, parecem constituir um dos pontos capitais de formulação de toda e qualquer cultura, de tal forma isto se verificando a ponto de se poder dizer que todo processo de socialização é, basicamente, um processo de humanização. Dito de outra forma, significa dizer que é através de uma cultura específica que a espécie humana se humaniza e se diferencia das outras espécies. Assim, os Kaingang se humanizam através da cultura kaingang, isto é, vivendo de acordo com as regras sociais e práticas que possuem significados próprios. No ritual dos mortos, os Kaingang retornam aos tempos originários, deslocam-se do tempo presente ao tempo passado. (Re)Vivem o tempo mítico. No espaço ritual encontram-se com os espíritos de seus antepassados e os heróis civilizadores. Há que se tomar certos cuidados para se protegerem de possíveis males que esse encontro pode acarretar, por isso, se pintam com as pinturas de suas metades e dançam e cantam nos fogos da outra metade. Há que se observar regras e algumas funções só podem ser realizadas por determinadas categorias, os péin.

A realização do Kiki envolve um determinado número de participantes (60 a 100 indivíduos), o qual pode oscilar durante as etapas do processo ritual, podendo variar de um Kiki a outro. Independente do número de participantes, há funções determinadas - a reza, o tocar de instrumentos, realização de pinturas faciais dos participantes, o preparo e distribuição de alimentos e bebidas -, as quais devem ser preenchidas por um grupo constante de pessoas. (...) A realização do Kiki depende da solicitação dos parentes de alguém que veio a falecer no ano anterior ou nos anos anteriores ao Kiki. É necessário que hajam mortos das duas metades exogâmicas (Fernandes, R.C. et alter:2000:4).

Fernandes, Almeida e Sachi (idem:5) afirmam que: a) o Kiki constitui uma referência para o estabelecimento de critérios de sociabilidade (purificando nomes, ratificando o pertencimento e a relação entre as metades; definindo o prestígio dos organizadores, dos rezadores e dos mortos. b) o Kiki manipula elementos da tradição dualista Kaingang, oferecendo-se como um diacrítico étnico significativo; c) homens e mulheres desempenham papéis complementares, os quais podem ser traduzidos em termos de centro e periferia ritual, respectivamente.

Antes de começar a falar do ritual, é preciso resumir aqui o tipo de organização social, parentesco e cosmologia kaingang. Eles organizam o mundo natural e social em metades Kamé e Kairu, metades que se opõem e se complementam. A sociedade kaingang está internamente dividida em metade Kamé, relacionada com o lado oeste, e Kairu, com o lado leste. Cada metade possui duas seções: Kamé e Wonhétky são seções da metade Kamé, Kairu e Votor, da metade Kairu. Os Kamé possuem pintura de riscos, os Kairu de círculo. Cada metade possui qualidades que se completam na relação com a outra: o Kamé é mais forte, o Kairu mais fraco. Os casamentos devem sempre ocorrer entre Kamé e Kairu, isto é, um homem Kamé deve se casar com mulher Kairu e vice-versa. Cada metade tem o seu estoque de nomes próprios de modo que sabendo o nome, sabe-se a qual metade e pintura pertence a pessoa. O mundo vegetal e animal também são organizados em Kamé e Kairu.

Durante a realização do Kiki a divisão da sociedade em metades se torna visível. Além das metades Kamé e Kairu, também se visibilizam as categorias rá rengré e péin cujas pinturas são especiais e possuem funções cerimoniais fixas. A própria dinâmica das ações cerimoniais visibilizam a estrutura bipartida da sociológica kaingang que atravessa e inter-relaciona os universos, humano, natural e sobrenatural.

Qual seria então o lugar da música no ritual Kikikoi? Ficou claro que a música não pode ser compreendida em si mesma, mas no contexto geral em que se realiza. Em primeiro lugar, trata-se de música ritual e os ritos são ações, ao mesmo tempo estruturadas e estruturantes. O rito põe e repõe as regras que regem a vida da sociedade kaingang. As metades relacionam-se enquanto partes complementares que garantem o funcionamento da sociedade como um todo. Em outras palavras, é o “lugar privilegiado da encenação da complementaridade e da assimetria que preside as relações entre as metades, cada metade é encarregada do tratamento dos mortos da outra, afim de lhes liberar e lhes permitir enfim deixar o cemitério onde eles estavam confinados desde a sua morte. O ritual é composto por várias ações cerimoniais onde a assimetria e complementaridade subjacentes emergem e se explicitam: na própria preparação dos fogos, nas rezas, cantos e danças que acontecem em torno desses fogos, na visita ao cemitério e túmulos dos mortos a quem se oferece o Kiki.”

A música ritual pode ser interpretada como uma linguagem que põe em comunicação o mundo dos vivos e dos mortos. Mas não é apenas veículo de comunicação com os espíritos dos mortos. É também uma comunicação com os espíritos dos animais, das plantas e da natureza. Pode ser pensada como uma linguagem cosmológica. A música conecta as unidades diferenciadas do cosmos. O canto sempre aparece acompanhado por gestos rituais, movimentos de dança ritmados e ordenados, e é só neste conjunto que ganha seu sentido pleno. O “choro ritual” entoado pelas mulheres péin no cemitério , as rezas, os sons do Xykxy constituem diferentes modalidade de canto, de linguagem que põem em comunicação os mundos dos homens e os mundos dos espíritos dos animais, das plantas, dos mortos, dos heróis civilizadores e dos deuses. Temos que romper com as nossas classificações do universo e tentar, através de um grande esforço intelectual, entender que no universo cultural (simbólico e prático) dos povos indígenas há intercomunicação entre as esferas mas essa comunicação sempre se faz ritualmente porque no espaço ritual o tempo e o espaço são abolidos e com isso, também são abolidas as diferenças. Quer dizer, no espaço ritual todos os seres, naturais e sobrenaturais se misturam e entram em comunhão. Mas há que se tomar certos cuidados e as pinturas faciais são multifuncionais durante o kikikoi: servem para identificar as pessoas e suas respectivas metades e seções, para definir as categorias cerimonias e suas funções, mas, principalmente para se proteger dos espíritos dos mortos que poderiam querer levar os parentes vivos para o kumbâ (lugar onde vivem os mortos).

Encontrei em Borba uma tradução de 3 cantos para quando fazem enterramentos e referenda o que dissemos sobre a música como comunicação com o espírito do morto. No primeiro o canto diz na tradução livre do autor o seguinte: Passe com cuidado a ponte. Viva bem com os outros; assim como eles vivem bem, você também pode viver. Lá você há de ver muita coisa que já viu em minha terra, assim como o gavião. Teus parentes hão de vir te encontrar na ponte e te levarão com eles para a tua morada. O segundo diz: Passe bem pela ponte do rio grande; chegando ao campo diga aos outros: - eu estou aqui. Coma bem as frutas do comá e vire as pedras que têm limo antes de passar. O terceiro: Vá-se embora, viva bem como os outros que estão lá,

Enfim, são esses os esclarecimentos que adianto para que possam agora ouvir o que Jorgisnei tem a dizer. Acredito que o nosso trabalho interdisciplinar poderá produzir um melhor entendimento de uma cultura tão diversa da nossa e ao mesmo tempo tão universal que, ao final, podemos afirmar que somos todos iguais em essência. Assim sendo, ao entendermos sobre a cultura kaingang estaremos nos humanizando um pouco mais.